8 de out. de 2003

Assassinando um sentimento Parte ll

" Assassinando um sentimento
PARTE ll

Desta vez eu não corri, quis deixar a chuva molhar meu rosto, presto atenção nas pessoas correndo de um lado para o outro evitando serem acertadas pelos tiros que o céu despejava sobre nós.
De nada adiantava tanta correria, no fim todas estava encharcadas dos pés a cabeça, e eu ali, tinha consciência, e não queria correr, não naquela hora.
Não pertenço mais a esta mediocridade, minha pele já tem uma coloração diferente, me arrastando entre as pessoas que disputavam um espaço qualquer para não serem fuziladas, meu olhar ainda continuava distante, não sabia que direção seguia, mas me permitia ser guiada pelas minhas intuições.
Talvez a vida não seja um fato consumado, e por vezes me pergunto se meu pecado não foi inventado, por uma mente cheia de pensamentos sombrios, a minha.
Continuo andando... Alma penada.
Preciso traze-lo de volta, neste instante comecei a correr (não fugia de nada, não tinha medo dos tiros, já havia sido banhada pelo sangue naquela noite), corria cega sem pensar, não obtenho mais forças, mas o ser rastejante que se encontrava no meio da multidão a minutos atrás, tornara-se agora apenas desejo, necessidade, arrependimento, angustia...
Preciso traze-lo de volta.
Para o meu desespero portão fechado, me agarro nas grades e como um animal selvagem (correndo atrás de sua presa), pulo, caio no mundo dos mortos.
Tornei-me realmente o que pensara ser a segundos atrás, um animal, longe de qualquer atitude racional, comecei a cavar, ajoelhada, misturada a lama, nem preocupava em limpar o sangue que agora pingava do meu rosto com mais intensidade.
Preciso traze-lo de volta... Pensava obsessivamente.
Dependia apenas de mim, sabia que ele se encontrava ali, com a mesma força que o matei, tentava agora revive-ló.
Tínhamos covas diferentes, e eu sentia os vermes me comendo lentamente, por que minhas lembranças agora os traziam ate mim, as dores começavam aparecer, o cheiro da morte me embriagará por um tempo, mas agora... Sabia exatamente que o tinha matado com um golpe baixo, frio, e por isto cava cada vez mais.
A escuridão me cegara , tentei ascender o resto da vela que se encontrava ali, a chuva não permitia, por um segundo pude olhar para as minhas mãos, ate então vinha escondendo-as de mim mesma.
Encostei-me tumulo da minha vitima e pôs me a observa-las...
Debaixo das minhas unhas havia terra, mal conseguia move-las, não tinha noção do quanto à morte pesava.
Balancei a cabeça como se faz quando quer esquecer algo, e cavava, estava tomada por aquela fúria que me fez mata-lo, mas agora queria traze-lo de volta.
Alcancei-o, abracei-o com força inimaginável, trazendo-o ate meu peito.
E você parado... Imóvel... Com cheiro de rosas saindo pelos poros.
Diga-me algo, por que esta indiferença comigo agora ?
Eu vim ate aqui para revive-lo, e você nem ao menos olha nos meus olhos, vamos, diga algo, ou não, não diga e não faça nada, fique assim... Deitado no meu colo.
Seu corpo já começara a perder o aspecto da vida, mas aqui no mundo dos mortos, você era o mais vivo.
Eu vim com um propósito, traze-lo de volta, e ficarei aqui esperando que abra os olhos.
O cansaço me dominava neste momento, as dores eram mais intensas agora, não conseguia fechar os olhos, apóie-me no que se encontrava atrás de mim e puxei levemente seu corpo para ficar mais confortável no meu colo.
Por que por varias vezes tentamos matar aquele que amamos?
Ou matamos.... Ou permitimos que nos matem lentamente a cada dia.
Estou cansada, as mãos calejadas, os joelhos esfolados, e louca, não conseguia distinguir o certo do errado.
Uma de minhas mãos doía mais que a outra, talvez estivesse firmando todo eu peso nela, já estava dormente, precisei troca-la de posição, ao levanta-la trouxe uma rosa que havia ficando seus espinhos nela, (defuntos sempre são presenteados com flores, não sei por que, deve ser por que as flores demonstram tanta vitalidade quando ainda nas roseiras, e depois de cortadas vão murchando, tendo um fim deprimente, assim como nossos corpos) junto com a rosa a confirmação de sua traição, quem deixou a rosa quis dar seu ultimo Adeus, e deixou bem claro nas palavras redigidas, borradas agora pela chuva, mas pude ler.
Em um ritmo lento e indesejado; fiquei pensando nas dores que me causaste!
A tua mentira me consola, bateu em silencio, mas não me conforma, e neste exato momento você retomava a cor da pele, definitivamente eu estava trazendo você de volta, era o que eu mais queria, foi o que me fez chegar ate aqui, agir sem escrúpulos, me sangrar, deixar os vermes me consumirem, por um remoto segundo pensei ter inventado meu pecado.
Odiei-lhe.
Eu quis mata-ló...
Emocoes, decepções de vivencias do meu dia-a-dia, estavam agora em pé á minha frente, também se encontravam no mundo dos mortos, e eu ás tentava trazer juntamente com voce, e porque?
Não quria mais ficar ali, não queria mais respostas, com o resto das forças que eu ainda tinha, empurrei-o de volta para sua cova, e agora mais que nunca, movida pelo odio enterrava-te, matei, fiz tudo para trazer-lhe á vida novamente, e quando seus pulsos já voltavam, concordo que muito fraco, voce tenta matar-me.
Despida de desilusões, coroada com a súbita lucidez, com direito próprio dada-me pelas almas errantes da morte, saio daquele lugar.
Falsa liberdade conquistada, vazio interno como picadas de agulhas , esperei vagamente pelo lado errante, e agora nada mais espero.
Agarro-me porém á podridão da paz... "

Agda Alvares